quinta-feira, 1 de março de 2007

Quando morrer, quero um gurufim

Para boa parte das pessoas – ao menos as brasileiras – a morte é uma coisa terrível e o simples ato de falar sobre o assunto é considerado algo de mau gosto. Claro que ninguém deseja ver os outros morrendo ou morrer (fora o pessoal que aderiu à moda de se atirar do Pátio Brasil Shopping), mas quanto mais nos afastamos, mais a morte se apresenta de forma assustadora, não é?

Antigamente era comum que os mortos fossem velados em suas próprias casas. Rolava comida, bebida e, inevitavelmente, o velório virava festa – ou pelo menos eram dadas boas risadas. Minha mãe tem histórias engraçadíssimas sobre os velórios da família. Ela mesma, no entanto, não conseguiu transmitir para os filhos essa leveza com a qual a morte pode ser tratada.

Só fui assistir a um velório aos onze anos, forçada pela catequista, quando entraram dois caixões na igreja onde ensaiávamos os cantos para a primeira comunhão. Nunca tinha chegado perto de um caixão, não conhecia os rapazes que haviam morrido e a doida me pegou pelo braço dizendo: “Vai lá, olha pra eles e reza”. Na época ocorrera uma enchente na cidade. Eles ainda tinham lama escorrendo pelos cantos dos lábios. Essa imagem não me deixou dormir direito por uns bons dias.

Quatro anos mais tarde, foi a vez da morte do meu pai. Não consegui chegar perto dele enquanto o caixão estava aberto. Olhava de longe, ele branco feito papel, e minhas pernas não me permitiam uma aproximação. Como é que pode?, hoje eu penso. Era o meu pai, por que eu tinha medo? O fato de ter sido sempre afastada de velórios e enterros me deixou essa idéia... de que tudo relacionado à morte era pavoroso e sombrio.

Quisera eu ter sido como o Enzo, filho de seis anos de uma prima, que no velório da minha vó ficou arrumando as flores em volta dela, acariciando e comparando as mãos dela com as de outra senhora que estava sendo velada no mesmo local. Era a vó com quem ele tinha mais proximidade. Não teve medo porque já sabe que todo mundo vai ter flores ao redor de si um dia – coisa que demorei para digerir.

Agora que não me parece mais tão amedrontador o verbo morrer, vou querer que façam um gurufim quando eu 'passar dessa pra melhor'. “Velório para os pobres se chama gurufim. E gurufim de verdade sempre acaba em samba”, diz o sambista Wilson das Neves. “É uma festa de despedida para a alma do morto seguir feliz até o céu. Mas hoje em dia não tem mais isso não. Só acontece em casos especiais, como na despedida do Mário Lago”. E na da Lídia, ele esqueceu de acrescentar. Ou foi o jornalista que cortou?

8 comentários:

Esperando Godot... disse...

Então, tá. Vamos combinar assim: quem ficar faz o de quem for. E se eu ficar, com certeza levarei meu pandeiro (até lá, espero ter aprendido a tocar...)

Mariana R disse...

gostei mesmo Lidinha. Incrível, tava falando desse lance ontem, não do gurufim, mas da aversão à morte e consequente fuga de todos nós. Também quero festa, com cerveja. Dois tios avós meus, tinham esse combinado, o velório seria a última cerveja compartilhada, daí que um morreu e o outro foi lá, brindar. Foi um escândalo na família e redondezas, 'onde já se viu?'. Se tivessem vivos, teriam mais de cem anos. Acho que bom é assim, tomar até a última gota, rs. Da vida, das pessoas admiráveis.

Anônimo disse...

Lidita! Que coisa mais humana... humanamente lindio ... quero um gurifim tumém ... prometo estar no teu ... esteja onde estiver ... e quero que esteja no meu ... no dia do nosso "ir embora". Onde estivermos toquemos algum instrumento e bebamos algo para celebrar! Emocionado contigo ... Viva a vida ... e a morte!

Ana Silva disse...

Quero um gurufim, claro, sempre quis, mesmo antes de saber que se chamava gurufim. Pedi a todos os meus amigos a cerveja e o samba no meu velório.
Mas, como sou egoísta, não prometi gurufim a nenhum deles. E não prometo. Já disse que nunca mais vou a um velório. Não quero, recuso-me a aceitar a morte. Não aceito. Sofre-se mais assim? Dane-se. Não quero. Ninguém que eu amo vai morrer. Nenhum amigo meu vai morrer. Eu jurei.

Mariana R disse...

ai ana.. rs. concordo, ninguém que amo morrerá também, e pronto!

Gerson Cabral disse...

Há muitas histórias interessantes sobre a morte. Em aldeias no Caribe, dizem que as pessoas constumam contar história em volta doo defunto para entreter os espíritos maus de modo que o falecido possa subir ao Céu sem obstáculos. Essa idéia de morte como algo definitivo é bem estranha. Não enchergo assim a morte. Pelas minhas convicções religiosas não aceito a morte como algo definitivo. E uma simples mudança de plano. Sobre o gurifim, acho bem mais interessante do que peso das lágrimas, do remorso...Alegria,Alegria!!!!

Anônimo disse...

Meninas adoro esse blog!
O texto do gurufim é muito lindo! Me emocionou muito.

Beijocas

Ana Cristina

Anônimo disse...

Gostei muito do que li... Mas não me sinto capaz de festejar a ida de algum ente querido. Seja ele um parente, um amor, um amante ou um amigo... Gurufim, sim posso até participar, mas do qual eu seja a "homenageada"!!!!