segunda-feira, 5 de março de 2007

Minha vida de cachorro em Campo Grande

Campo Grande já ficou conhecida no cenário nacional por ser uma das cidades com o maior número de carros por habitante ou o menor número de habitantes por carro – escolham. É claro que isso dá notícia, até porque o trânsito da cidade foi considerado um dos mais indisciplinados do país, que por sua vez tem o pior trânsito do mundo. Resultado: fomos parar no Jornal Nacional.
Aquilo de que ninguém ainda se deu conta, porém, é que Campo Grande talvez se notabilize por algo muito mais “animal”: a cidade deve ter o maior índice de cachorros per capita do planeta. É verdade. Campo Grande é um verdadeiro canil. Na Vila Alba, por exemplo, onde morei por mais de 15 anos, tinha a impressão de que a quadra onde se localizava minha casa, na Avenida Madrid, poderia entrar para o Guiness Book como o local de maior concentração de cachorros por metro quadrado do Universo – depois de cientificamente comprovada a existência de cachorros no resto do Universo, é claro. Não havia nenhuma casa com menos de três cachorros (com exceção da minha, onde só havia um, por insistência de minha mãe).
É quase humanamente impossível dormir numa situação dessas. As alternativas são: a) dormir à tardinha, antes dos cachorros começarem a latir; b) dormir de manhã, depois que os cachorros pararem de latir; c) gostar de dormir ao som de latidos e d) não dormir. Ah! Pode-se usar tampão de ouvido, também.
As tentativas de acalmar os cães são geralmente infrutíferas. Primeiro, porque eles não latem de nervoso. Latem de alegria, latem para se comunicar e latem quando entram desconhecidos. Tenho a impressão de que também latem para irritar humanos. Na ânsia de aquietá-los, tentei João Gilberto, certa vez. Não deu certo, porque, por mais que eu aumentasse o volume, o som dos latidos sempre suplantava a voz do meu cantor favorito. Desisti da idéia dos soníferos depois de fazer pesquisa de preço nas farmácias e ao ser advertida sobre a existência da Sociedade Protetora dos Animais em Campo Grande (sim, os soníferos seriam para eles, os cães, não para mim, que odeio usar drogas – para dormir).
Mudei-me para outro bairro, Santo Amaro, e a esperança de dormir em paz desvaneceu-se na primeira noite. Estou pensando em rever a indicação da Vila Alba para o Livro dos Recordes.
O grande número de cachorros não traz dificuldades somente aos que buscam um sono tranqüilo. Para os caminhantes noturnos, a cachorrada é um problema. No centro da cidade, tudo bem, mas nos bairros não dá para andar nas calçadas à noite. Os notívagos têm de andar na rua se não quiserem ir aos sobressaltos. Enormes cachorros pulam detrás de grades e muros aparentemente inofensivos e devem ser os responsáveis por muitos infartos não explicados na calada da noite. Com todos os riscos, andar no meio da pista de rolamento ainda é preferível – os carros, no mais das vezes, são identificáveis pelos faróis.
Por outro lado, a população canina de Campo Grande poderia ser uma atração turística. Raças, tamanhos e cores os mais variados. Certo dia, vi um cachorro do tamanho de um bezerro. Acho que era um fila. Lembrei-me imediatamente daqueles filmes de terror, com cães de olhos vermelhos e dentes pontiagudos. Daria uma superprodução.
Pensando bem, há que se fazer justiça aos pobres bichinhos. Seus defensores alegam que eles protegem as casas e são boas companhias para as crianças. De volta ao início, os motoristas indisciplinados, que acham que pedestre não é gente e nos levam a passar vergonha em cadeia nacional de televisão, ainda são as piores pragas da Cidade Morena.

7 comentários:

Lidia disse...

Kkkkkkkkkk! João Gilberto?! Só se fosse pra que eles mastigassem os cd's!...
Ótimo, ótimo!

Anônimo disse...

Adorei, Ana! "Soníferos para os cachorros" foi ótemo..rsrsrs...(A Sociedade Protetora dos Animais que não me ouça/leia)

Que bom ter lembrado do cachorro atômico!

Anônimo disse...

Ora, ora, algo me intriga na crônica autocanina de Ana Silva. Que eu saiba os automóveis, principalmente quando em número excessivo e imersos em um trânsito indisciplinado, são predadores em potencial dos cachorros que andam à solta pelas ruas. Pergunto: como se dá o equilíbrio?

Ana Silva disse...

Esse rhino não lê o que escrevo.
São cachorros nos quintais, menino. Não vê que eles pulam detrás de muros?
Dos vira-latas, soltos pelas ruas, não reclamo. Eles não atacam, não latem quando a gente passa por perto e, principalmente, não estão na casa do vizinho fazendo serenata.

Anônimo disse...

A autora trata os bichinhos a João Gilberto, depois sou eu que não entendo nada. Além disso ignora os cães sem-teto, pobrezinhos. Só lida com a bicharada pequeno-burguesa nos quintais e depois não entende o late-late que apenas imita os hábitos dos proprietários, que na certa vivem com o som no último volume: "se ela dança, eu danço" etc.

Ana Silva disse...

Em Campo Grande, a música no quintal do vizinho é outra.
"É o amooooooooooooooor..."

Anônimo disse...

Então é tá explicado porque a cachorrada tá estressada!