quarta-feira, 28 de julho de 2010

SINA


Desde pequena ela sabia que não ia ficar ali para sempre. Ao ver a mãe agachada na beira do rio, lavando roupa e o pai, bêbado, chumbado da lida na roça - pensava que tinha nascido no século errado, no meio errado - gente grossa, grudada na terra - dizia. O estudo seria sua saída, pensava - não seria escrava. A marca que trazia do acidente com óleo quente na pele lhe informava que ela era uma sobrevivente, uma forte que não seria pega facilmente, poderia seguir até onde quisesse chegar. Quando embarcou para Brasília, com a promessa de um emprego no banco onde os amigos tinham passado num concurso, achou que não ia mais atravessar o rio verde de volta. Realmente, só o fez para enterrar os pais. Na cidade moderna promoveu-se à semi-escrava entre máquinas elétricas. Os salários, insuficientes, a obrigavam a morar em troca dos serviços - que fazia como se estivesse brincando de casinha - nas casas dos outros. De dia, trabalhos com contabilidade (sabia contar bem, crescera contando o tempo de ir-se embora, contando os trocados miúdos economizados para pagar sua alforria da família). De noite cursos, livros e uma cachacinha para aplacar a fome. Foi na faculdade de direito que conheceu o pai do primeiro filho. Professor seduzente, cuja acusação de prostituta não amoleceu o juiz, quando o menino já era mais do que a cara do pai. Difícil negar um DNA,o processo longo serviu para o menino resolver não ser daquela laia. Abandonou Brasília para não ter que abandonar o filho a quem dava tudo o que tinha e mais o que podia buscar com o olhar. O pai do segundo filho a encontrou operária de uma facção, costurando incansavelmente para montar o pequeno capital do seu primeiro negócio próprio. Àquele motorista de caminhão, sem educação, sem jeito para o trato social, nunca precisou pedir pensão, nem ajuda. Ele comparecia todos os meses com quantia suficiente para a comida, a roupa e uns mimos – mesmo ciente que ela crescia nos negócios e, já patroa, fazia até fortuna. Nada fino, era um nobre. Um dia, avisou que não viria mais para os carinhos que a aliviavam da labuta – tinha encontrado o amor de sua vida e estava resolvido a dedicar-se. Ela aceitou. Nunca encontrou seu amor, mas não se negara aos encontros casuais para o sexo. Na beira da cama, recordava-se de tudo isso em flashes preto e branco. Em slow-motion, via-se nos braços do cara da noite passada, no forró, entrando em casa, fazendo amor bruto. Na cômoda o dinheiro deixado por ele, provavelmente antes mesmo do dia amanhecer. Com esse gesto, insinuava o mesmo que o outro a chamara na frente do juiz. Suspirou, levantou-se, penteou-se, maquiou-se, vestiu-se de crepe de seda, abotoou o colar de pérolas em volta do pescoço, vestiu o diamante no dedo anelar, calçou o salto de pelica e saiu, decidida a distribuir uns trocados para os meninos da feira.

2 comentários:

Ana Silva disse...

Uau, que coragem!
Também quero dinheiro na cômoda.

Valéria Barros Nunes disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk