*no quintal de casa cada um faz o que quer. porque esse quintal é grande, do tamanho que a gente fizer. uma rede pra se balançar e balançar os pensamentos ele tem. tem um pé de limão, uma goiabeira, uma porção de plantas e flores e uns cachorros pra bagunçar o coreto. criança e adulto querendo ouvir história também sempre aparecem. e a gente conta. histórias de quintal. *
sexta-feira, 27 de julho de 2007
contando um sonho
A varanda da casa se extendia. Na beirada, esticando o pescoço, se via a água do mar lá embaixo. Muito embaixo, pois a casa ficava sobre um paredão enorme de rocha. Perto da água, algumas pedras e nas pedras, alguém tomando sol. Mal conseguia identificar se era uma mulher, um homem ou uma criança. Comentei com a dona da casa: Tem alguém lá embaixo. É, mora uma família lá. Nas pedras? Dentro delas. Como? A casa deles fica dentro do paredão. Nossa! Quer ir lá conhecer? Quero.
Depois de bater na porta, a mulher sumiu. Quando o homem abriu, eu ainda a procurava em volta. Ele não falou nada, apenas me puxou pelo braço colocando o dedo indicador sobre os lábios num suave pedido de silêncio. E eu fui, quieta, a boca e os olhos abertos, duvidando do que estava vendo: uma casa dentro das rochas, uma casa que de fora não se via. Como a mulher sabia daquilo? Fomos subindo as escadas, estreitas, como toda a casa. A cada andar, um quarto. A cada quarto, uma criança. Uma lendo, outra pintando, outra dormindo... No quinto andar, uma menina de uns doze, treze anos, sentada perto de uma fenda na rocha, ouvia música com fones de ouvido. Não nos viu entrar no quarto. O homem tocou seu ombro, ela se virou sorrindo e veio em minha direção. Perguntou, quase encostando na minha orelha: Você me viu lá de cima? Eras tu? Era, mas não conte nada pra mamãe. Por que? Ela não deixa a gente sair, mas eu gosto de tomar sol.
A voz da mãe ecoou na casa: Elisabete, que barulho é esse aí?
Não podia acreditar que ela tivesse ouvido nossa rápida conversa ao pé do ouvido. A menina me empurrou para o lado do armário quando a mãe entrava no quarto. Então eu não podia ser vista. Por que então o homem me trouxe para dentro da casa?
segunda-feira, 23 de julho de 2007
Mensagem de Amor
os livros na estante já não tem mais tanta importância
do muito que eu li, do pouco que eu sei
nada me resta
a não ser a vontade de te encontrar
o motivo eu já nem sei
nem que seja só para estar ao seu lado
só pra ler no seu rosto
uma mensagem de amor
à noite eu me deito,
então escuto a mensagem no ar
vagando entre os astros
nada me move nem me faz parar
a não ser a vontade de te encontrar
o motivo eu já nem sei
nem que seja só para estar ao seu lado
só pra ler no seu rosto
uma mensagem de amor
Herbert Vianna
terça-feira, 17 de julho de 2007
O dia em que conheci Chuck Norris
Então, resumindo: Paraty é uma graça, as pessoas que andam de bicicleta lá devem ser de outro mundo e Trindade tem praias tão bonitas quanto as de Floripa.
E a Flip é legal.
Mas não é que tem gente que leva a sério? Pra mim, como o nome diz, aquilo é uma festa e só que tem de levar festa a sério (ou não) é quem organiza. Se fosse um evento acadêmico, não reuniria tanta gente, mesmo em Paraty. Quando a coisa se aproxima de algo acadêmico, ninguém curte, ainda que já esteja de “sobreaviso”.
Exemplo: a mesa – onde não cabia mais um mortal – com J. M. Coetzee, o sulafricano ganhador do Nobel (lembram que já citei o nome dele aqui?). Eu e o Namoradim não vimos, mas nos contaram que o cidadão leu trechos de seu último livro. Só leu. Leu, leu e leu. E foi-se embora sem dar tchau. Quem já esteve em algum congresso de literatura, teoria literária, sabe que, em geral, é assim: vinte minutos pro cara ler o seu artigo e tchau e benção. Só comparece a esses eventos quem realmente tem muito interesse, quem quer ter mais um certificadozinho pra colocar no currículo ou quem desconhece outra maneira de pagar seus pecados. Claro que não é isso que as pessoas esperam da Flip, mesmo que o o escritor tenha dito com antecedência que não iria falar sobre sua obra e etc.
Uma mesa com dois, três autores tem mais chance de ser interessante – ou pelo menos agradável. Foi o caso da mesa com a também sulafricana e também ganhadora do Nobel, Nadine Gordimer, e com o israelense Amós Oz. Os dois, depois de superada a parte séria do debate, papearam, entre outras coisas, sobre a instituição familiar. Amós disse que não há nada mais estranho no mundo que a família e contou alguns “causos”, como o de quando seu pai – com quem tinha muitos problemas - o chamou para uma conversa “de homem pra homem”. O pai na casa dos noventa e ele com mais de trinta anos, casado e com três filhos. "Descobri que, em certas coisas, as mulheres são exatamente iguais aos homens; e em outras, elas são completamente diferentes de nós – agora, só falta eu separar umas das outras...".
Bueno, eu poderia contar mais uma porção de coisas... sobre a mesa com Jim Dodge (autor de “Fup” - personagem que poderia se chamar Sofia, caso fosse uma cadela e não uma pata) e Will Self, sobre Fernando Morais, Ruy Castro e Paulo César Araújo (aquele mesmo, aquele que teve o livro retirado de circulação por conta do Roberto Carlos), mas não quero me alongar demais. Difícil. Só vou contar mais uma.
O palito de picolé premiado da Flip, pra mim, foi o encontro de José Eduardo Agualusa (por quem o mulherio se alvoroçou) e Mia Couto, mediado por um impagável escritor moçambicano que não conhecia – Nelson Saúte. Aconteceu no evento que chamam de Off- flip, na Casa de Cultura de Paraty, num 'teatro' lotado na sexta-feira à noite. Eu e Namoradim ficamos em pé e nem reclamamos, só rimos.
Depois de Saúte ter feito uma pergunta e Agualusa ter dado duas respostas, Mia Couto disse que não precisava dar mais nenhuma e que iria contar uma história. Vou parcamente reproduzi-la.
O moçambicano estava em seu país, que havia sofrido com uma enchente, quando foi convidado pela BBC a dar uma entrevista sobre o assunto. Pareceu-lhe algo estranho, mas aceitou. O “circo” foi armado próximo a uma cratera aberta pela inundação e logo o povo se amontoou em volta querendo saber o que acontecia. Mia Couto, ao passar entre as pessoas, ouviu coisas do tipo: “Acho que é cinema. Devem estar a gravar um filme'. Outro dizia que devia ser coisa do governo, que enfim faria algo a respeito dos estragos causados pela enchente. Quando o escritor atravessou a faixa que distanciava o populacho das câmeras, alguém gritou: “Eu não disse? Eu não disse que era cinema? Olha lá! O Chuck Norris!”. “Chuck Norris! Chuck Norris!” - o chamavam. Retrucando, outra pessoa falou que não, que aquele era o Mia Couto, um escritor, de Moçambique mesmo. Não encerrada a questão, mais um grito: “Ei! Ei, Mia Couto! O que estás a fazer aí a te passar por Chuck Norris?”.
segunda-feira, 16 de julho de 2007
sábado, 14 de julho de 2007
Literatura Brasileira - outra lembraça
Pois bem, se entrar na casa de quem está a sofrer dos males do amor, certamente irá crê-lo enfermo de amor incurável. Mas como diz o provérbio, não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe, e o literato sacerdote, sobre “os remédios do amor e o amor sem remédio”, receita:
"O primeiro remédio que dizíamos é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
(...) O segundo remédio do amor é a ausência. Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. (...) Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor (...) Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.
(...) O terceiro remédio do amor é a ingratidão. Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver?
(...) É pois o quarto e último remédio do amor, e com o qual ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto. Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas (Sermão do Mandato, 1643)".
Fica pois a receita do esculápio presbítero para aqueles que de tal moléstia se sentem vítimas e os votos de boa sorte e breve convalescença.
terça-feira, 10 de julho de 2007
segunda-feira, 9 de julho de 2007
Memória
Corrompido, é claro, e recitado em um único fôlego. Foi assim que guardei o trecho do texto do Milôr. Dos oito irmãos, no mínimo seis leram Cão! Cão! Cão!. Não. Não lemos na mesma época. Estava em um dos livros de língua portuguesa e literatura brasileira. Portanto, creio que lemos o triplo Cão! nos últimos anos do primeiro grau. Tornou-se piada particular na família para todas as ocasiões em que chegava uma visita com alguma companhia desajeitada. Não que fôssemos muito ajeitados. Em um período que adolescente era visto como algo que não era nem jovem nem criança, a falta de identidade nos tornava mais estabanados. Sem falar das pernas longas, das orelhas de abano, do nariz comprido e da natural magreza de quem cresceu demais e ainda não pôs recheio entre a pele e os ossos.
Uma vez encenamos, na sala de estar, para desgosto de meus pais, o enredo canino, revezando entre irmãos o papel do cão e dos amigos. Obviamente, era melhor ser o cão. Até que a dona da casa, a senhora minha mãe, teve a brilhante idéia de colocar os cães para dormir na casinha do cão. Não sei porque, mas passei vários anos sem me lembrar do texto...
Tempo
Uma linha. Duas, três. Apaga, escreve outra vez.
Deixa o tempo passar cantando esquece. Procura a letra da canção deixada no cais. Cais na solidão da madrugada. Esquece o restante do poema escrito para o amor que ficou no tal do cais do poema. Sozinho. Tinha uns latidos na madrugada.
Ha! Não eram latidos. Eram galos cantando.
Mas esse era um outro poema. Não, esse não é seu. É de outro. Poema antigo.
A bico de pena como os quadros.
Era a madrugada no campo ou no porto? No porto alegre ou seguro? O seguro morreu de velho. Será que ficou triste antes de velho? Podia ser um velho porto seguro e alegre em um campo grande.
Mais uma linha.
Lembra que esqueceu de pregar o botão da camisa. Entra no quarto, vai à janela colhe um botão de rosa. Põe as roupas na máquina e a chaleira no fogo. Olha o relógio em cima da geladeira. Precisa acordar cedo.
O dia correu. Carolina não viu.
uma antiga pro amauri
indo e vindo boluia co tempespada, fera mordida, em sanguinoloso gargalhar.
surgiu-me um tempestoso elfo, olhar luminante, labaredou-me num dia.
na noite eu iluminia