sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Banzo


A Ilha é Mulher.

Sempre se soube que a Ilha é mulher, gênero bem feminino, espécie cheia de curvas, com seios e principalmente com ancas. Surpresa: dois umbigos: a Lagoa da Conceição e a Lagoa do Peri.

A Ilha é uma mulher bonita de dorso verde e dourado, costões sensuais, reentrâncias promissoras, praias abertas e coxas hospitaleiras, tem sexo híbrido - varonil como um promontório, abrigado como enseada de filme de pirata.

Vista do satélite, não passa de um pontinho reticulado a nordeste daquele rabinho da América, parecendo filhinha desgarrada da terra-mãe. De perto é como uma filha provocante. Electra e elétrica, luxúria pura, constante ameaça de um incesto ao sol.

O mar da Joaquina é agressivo, a praia é dócil e feminina como a mulher que lhe emprestou o nome. Mítica mulher solitária, mistura de Medusa e Iemanjá, que costumava passear pela praia nos fins de tarde, verão ou inverno, bela como uma princesa, triste como uma Julieta Capuletto, infeliz no amor. Mas, de qualquer maneira, fiel como as mulheres de Atenas.

O mar que banha Desterro é o mesmo que emocionou Melville e Hemingway e que os inspirou em Moby Dick e O Velho e o Mar. Mas o que enlaça a Ilha é ainda mais belo, faria ajoelhar-se diante de si poetas como Shelley, Miguel Torga ou Neruda, compositores como Beethoven, Mozart, Wagner - este, para os dias de ondas fortes, surfistas cavalgando pranchas. Além de Dorival Caymi, para o caso de ser doce morrer no mar.

Os açorianos construíram suas casas de costas para o mar, como se não desejassem mais vê-lo depois de desembarcados. O mar era seu escritório, devia lembrar trabalho duro. Assim, do trapiche da Praia do Muller era possível admirar-se a sucessão de galinheiros à beira-mar - espanta que não nascessem aves com escamas.

O mar. Aquela vítrea gelatina azul-esverdeada, crescendo como corcova de camelo aquático, escorregando com estrondo no tobogã de arrebentação, para desfazer-se na areia em mil esculturas de cristal líquido. Mar igual - ou parecido - é muito difícil de se encontrar neste planeta. Talvez, disse-me um velho navegador, nas Bahamas, no Hawai, no Thaiti ou no Sri Lanka, o antigo e lendário Ceilão.

A beleza da Ilha é imensa como uma marinha de Pancetti, mas um arrastão dos elementos pode torna-la de uma hora para outra selvagem e expressiva como um filme de David Lean.

O vento sul é um ilhéu típico, que fala com chiado e que, ao contrário dos magos de ocasião, consegue facilmente entortar árvores e encrespar oceanos. Foi conversando com esse ilhéu que Cruz e Souza empinou seu verso simbolista e achou raras onomatopéias para descrevê-lo:

Tu que penetras velhas portas,
Atravessando por frinchas...

E sopras, zargunchas, guinchas,

Nas ermas aldeias mortas.


Nada o detém quando ele bufa e escoiceia, no que há de ser a farra eólica do tempo. Ele se transforma então no vagabundo que rosna sonolento, leva longe o seu lamento, mas sua ferocidade é efêmera. E inócua. Se tanto, desmancha os cabelos da figueira, ou adianta o relógio da Catedral, que nesses dias perde a sua orgulhosa exatidão de Big-Bem.

Já tem 270 anos, mas parece que tudo começou dijaôji.

Sérgio da Costa Ramos

23 de março – aniversário da cidade – de 1995




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