quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Publicando sem saber escrever

Zé sempre repetia que não sabia escrever, como que para convencer a si própria. Muito embora os amigos a requisitassem para tarefas de escrita, desde cartão de aniversário, abaixo-assinados, aviso ao público, até manifesto para defender a preguiça, repetia que não escrevia bem. Todos discordavam e insistiam que ela se publicasse. Mal sabiam o quanto ela sofria para escrever qualquer coisa. Ainda criança, iniciando-se na alfabetização, sofria, por exemplo, com a caligrafia do próprio nome - Aldizenilda- era um tormento! Frequentemente questionava a mãe o porquê de um nome desses, já que metade do mundo a chamava de Aldi e o outro de Nilda, por que não podia ter um nome de quatro letras, mais simples? A mãe ria e a consolava lembrando que poderia ter sido pior: ela poderia ter recebido o nome de Gumercina Ciberzilda de Albuquerque e teria que lidar com o desenho redondo de quês e gês, de éles e de bês. Para se vingar do mundo, assinava Zé. A ambiguidade do apelido lembrava que ela não se sentia autora daquelas coisas rebuscadas e sofisticadas... "Aos nubentes"... definitivamente, não era ela quem escrevia aquilo, era uma entidade que usava e abusava de suas mãos, de seus dedos, de suas canetas. Ainda que não publicasse o que escrevia, demorava-se na consulta aos dicionários e gramáticas. Porém, adorava listas, tinha mania de listar tudo antes de mais nada: assuntos para um chá de panelas, itens para se ter sempre na despensa, coisas para não se fazer com um homem. Só depois de seu terceiro livro de listas publicado (Mil listas para o dia-a-dia, Listas prête-a-porter, Check List para um século digital)rigorosamente revisados por alguém que sabia escrever de verdade, foi que se sentiu encorajada a listar características, personagens e situações para seu primeiro romance.

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