quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O verão termina após o carnaval?

Janeiro em Soterópolis. Do ônibus que atravessa a Orla da cidade, avisto duas dezenas de outdoors anunciando o verão: “Ensaio da Banda AEIOU”, “Camarote da Grande Estrela do Carnaval”, “Feijoada VIP da Baiana-Cheia-de-Graça”. Um deles desafia: “O seu verão acaba com o carnaval?”. Próxima parada. Sob o sol escaldante de 8:00 da manhã, algumas pessoas tentam se proteger na sombra de um poste, formando um ângulo de 45º. Esperam o famoso “buzú” ou “humilhante” para mais um dia de trabalho. Lembro da reportagem da TV: o baiano é um povo muito alegre. Ah! Este sol, este mar! Com uma vista dessa, não tem como ficar mal-humorado...
Uma mulata vistosa, de 1,60 de altura, cintura fina, quadris largos, bunda grande e pouca roupa, adentra o coletivo. Ao meu lado, dois homens, um jovem negro e o outro branco de meia idade, curvam o pescoço examinando todos os detalhes. Ouço a conversa: - “Posso te arrumar uma deste jeito aí”. Diz o jovem ao homem, que, de boca aberta e olhos arregalados, apenas balança a cabeça. Os dólares dos gringos movimentam a economia da cidade no verão. Eles vêm em busca do Sol, da Alegria, e também de Mulheres, Mulherinhas que mal saíram da infância. Alguma novidade? Acontece todos os anos. Quase não dá nos jornais. A grande notícia do dia é a polêmica sobre a escolha do Rei Momo. Muito magro! É marmelada!
Enfim chego ao meu destino, desço do coletivo e sigo em direção ao Porto da Barra. Encontro amigos. Praia lotada. Banho de mar delicioso. Na areia, disputamos espaço com cadeiras de praia, vendedores ambulantes, jogadores de frescobol, celebridades e catadores de latinha. Peço cerveja a um rapaz que recolhe cadeiras para alugar. Ele solta um riso nervoso e responde: - “Não vendo cerveja, moça. Sou burro de carga. Onde tem trabalho pesado, eu estou”. Penso no mito da preguiça baiana. Lanço a mim mesma o desafio do outdoor: o verão deste rapaz termina com o carnaval? Não sei responder. Neste ano, ninguém quis ser cordeiro*.





* São chamados de “cordeiros” os homens e mulheres que recebem R$ 20 por dia para empurrar as grandes cordas que separam os foliões de Blocos dos outros foliões (“pipoca”), no carnaval de Salvador.

11 comentários:

Anônimo disse...

bacana o texto hein!
bom enquanto tiver sol pra mim é verão e lá vamos nós e não acaba nunca!
Agora pra quem mora na roça como eu, só sabe o que é isso pela tv.

Ana Silva disse...

Banho de mar, banho de mar, banho de mar, bom, bom, bom.
Queria ir à praia em Salvador, ver os "burros de carga" que o sul maravilha (como dizia Henfil) chama de preguiçosos...
Aqui em Natal também burros de carga trabalham na orla, servindo aos turistas, colocando guarda-sóis, cadeiras e mesinhas na areia, vendendo bebidas, comidas e bugigangas. Igualmente se oferecem moças.
E o seu carnaval, nossa baiana, como será?

Lidia disse...

Desencantou no quintal, até que enfim, Thiara!!

Thi disse...

É Ana, meu carnaval será bem longe daqui. Vou me entocar nos confins da chapada diamantina. Nas férias devo ir pra uma ilha muito lindo perto de morro de são paulo. Vou tomar banho de mar. Afinal ninguém é de ferro, né?

Thi disse...

Obrigada pelas boas vindas! É que sou tímida, preciso sondar o terreno primeiro....rs

Esperando Godot... disse...

Esse me texto me fez lembrar de um espetáculo que vi: "Esse Glauber". Os maravilhosos baianos chegaram no planalto central falando exatamente dos cordeiros, o outro lado do carnaval baiano.
"Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu" e quem está quase morrendo...

Caetana disse...

Lindo texto Thiara.
A história dos cordeiros me fez lembrar...

Agnus Dei qui tollis peccata mundi
parce nobis, Domine
Agnus Dei qui tollis peccata mundi
exaudi nos, Domine
Agnus Dei qui tollis peccata mundi
miserere nobis

Caetana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana R disse...

"alguns inverno, outros verão"
gosto muito da bahia, apesar dos pesares, mas a desigualdade mata a gente mesmo né?
também gostei do texto-denúncia, bárbaro, como a realidade.
de pau pra cacete: ce vai é pra boipeba é?

Thi disse...

Ai ai, pretendo Mari!

luis vieira disse...

Sê benvinda novamente ao seu lugar!
Belo texto! Vida díficil, porém repleta de bonitezas! (Como dizia meu amado Paulo F.)

Besos em ti, Thi!
:)