Por ter acordado mais tarde do que costumo, hoje peguei trânsito intenso na rodovia que vai de Águas Claras a Brasília, chamada EPTG (sigla cujo significado desconheço). Precisava ver: um inferno. E olhe que há horários piores, disseram-me.
O(a)s motoristas têm pressa, muita pressa. Então, mesmo vendo que há filas quilométricas de carros, tentam avançar, mudam de pista, "costuram", enfim, desesperam-se e pioram o que já está ruim.
Eu vou, no limite permitido de velocidade, atenta a tudo e a todos. Se a pista permite 60 Km/h eu vou a 60 Km/h. Se é 80, 80. Sempre com um olho no velocímetro, um na pista, um no retrovisor, um em cada espelho lateral, outro nos carros dos lados. Sou um bicho todo olhos.
Invariavelmente, vem alguém atrás forçando a passagem. Ignoro. Impassível, continuo na velocidade permitida. Aí, o(a) afoito(a) me ultrapassa, dando-me alívio temporário, já que, indefectivelmente, virá outro(a) com o mesmo comportamento.
Assim, mesmo com o fluxo intenso, comecei a divagar – mobilidade urbana, transporte individual e coletivo, essas coisas. Aqui em Brasília, já elegi meu inimigo: os furgões de transporte alternativo, as chamadas "vans" ou "lotações".
Os motoristas desses veículos são terrivelmente ousados e irresponsáveis: excedem todos os limites de velocidade, "cortam" e "fecham" os outros carros, fazem curvas em altíssima velocidade e sem nenhuma segurança, enfim, abusam.
Junto a eles, há os ônibus das empresas convencionais. Também muito atrevidos, seus motoristas entram na pista quando bem entendem, pressionam para ultrapassar e disputam espaço com os furgões alternativos. Então, meus inimigos estão no transporte coletivo.
O(a)s motoristas têm pressa, muita pressa. Então, mesmo vendo que há filas quilométricas de carros, tentam avançar, mudam de pista, "costuram", enfim, desesperam-se e pioram o que já está ruim.
Eu vou, no limite permitido de velocidade, atenta a tudo e a todos. Se a pista permite 60 Km/h eu vou a 60 Km/h. Se é 80, 80. Sempre com um olho no velocímetro, um na pista, um no retrovisor, um em cada espelho lateral, outro nos carros dos lados. Sou um bicho todo olhos.
Invariavelmente, vem alguém atrás forçando a passagem. Ignoro. Impassível, continuo na velocidade permitida. Aí, o(a) afoito(a) me ultrapassa, dando-me alívio temporário, já que, indefectivelmente, virá outro(a) com o mesmo comportamento.
Assim, mesmo com o fluxo intenso, comecei a divagar – mobilidade urbana, transporte individual e coletivo, essas coisas. Aqui em Brasília, já elegi meu inimigo: os furgões de transporte alternativo, as chamadas "vans" ou "lotações".
Os motoristas desses veículos são terrivelmente ousados e irresponsáveis: excedem todos os limites de velocidade, "cortam" e "fecham" os outros carros, fazem curvas em altíssima velocidade e sem nenhuma segurança, enfim, abusam.
Junto a eles, há os ônibus das empresas convencionais. Também muito atrevidos, seus motoristas entram na pista quando bem entendem, pressionam para ultrapassar e disputam espaço com os furgões alternativos. Então, meus inimigos estão no transporte coletivo.
Na via que utilizo há quatro pistas. Três delas são, infalivelmente, ocupadas por carros de passeio. A quarta, obviamente a última da direita (devido às paragens), por ônibus e furgões. Então, é sobre os veículos que estão na penúltima à direita que eles avançam para ultrapassar. Estes, por sua vez, deslocam-se para a próxima, e assim sucessivamente, causando os transtornos e solicitando toda a atenção de condutore(a)s cuidados(a)s e correto(a)s como eu.
São três pistas para veículos individuais e uma para transporte coletivo. Três quartos do espaço ocupados por carrinhos que levam uma, duas pessoas. Apenas um quarto ocupado por viaturas carregando 40, 50, 60 usuários... Pensei numa situação contrária. Imagine quanta gente mais poderia ser transportada.
Então, vejamos o raciocínio: há só uma pista para o transporte coletivo, que ocupa apenas um quarto do espaço das vias, mas ele é o inimigo?
São três pistas para veículos individuais e uma para transporte coletivo. Três quartos do espaço ocupados por carrinhos que levam uma, duas pessoas. Apenas um quarto ocupado por viaturas carregando 40, 50, 60 usuários... Pensei numa situação contrária. Imagine quanta gente mais poderia ser transportada.
Então, vejamos o raciocínio: há só uma pista para o transporte coletivo, que ocupa apenas um quarto do espaço das vias, mas ele é o inimigo?
“A conclusão: o que atrapalha o trânsito – e, por conseguinte, o funcionamento de toda a sociedade – são os pobres e suas absurdas necessidades.
É para transportar os pobres que existem esses monstruosos carros: enormes, cheios, acossando-nos nas pistas, impondo-se sobre nós, motoristas indefesos em nossos carrinhos. Há até uma injusta lei de trânsito dando-lhes prioridade sobre veículos individuais.
Por que cargas d’água esses pobres apinham-se em ônibus, furgões, lotações, “vans” ou o que quer que seja, no mesmo horário em que nós, membros da classe média, que constrói o progresso, levando o país nas costas, temos de sair para o trabalho, a escola, a vida?
Essa absurda necessidade que eles têm de se mover impede o andamento do trânsito. Sem esses ônibus e furgões repletos de trabalhadores, com seus motoristas irresponsáveis, imagine a fluidez do trânsito. Seria uma beleza, uma maravilha.
Mais coisas impedem a tranqüilidade no trânsito. Uma delas é essa incompreensível necessidade que estudantes, crianças, adolescentes e jovens têm de exercer sua capacidade de se movimentar! Outra é a inaceitável necessidade que os velhos têm de sair de casa, sabe-se lá para que! E a inconcebível necessidade que os deficientes físicos possuem de se locomover? Sem comentários.
Por conta desses cidadãos, o poder público é obrigado a nos submeter a faixas, semáforos, limites de velocidade e outros fatores que cerceiam nosso direito de correr desenfreadamente pelas vias – temos compromisso, horários, trabalho!
E o que dizer de moto-entregadores e taxistas? Gente insuportável, que atrapalha todo o trânsito. Eles só deviam existir quando temos vontade de comer uma pizza, necessidade urgente de entregar um documento ou pressa de chegar a aeroportos.”
Esse é o pensamento da boa classe mediazinha de merda que sou; xingo o motorista do ônibus, enraiveço-me contra as lotações, rogo pragas a motoqueiros e taxistas, gente que está trabalhando.
Percebo de que ser atenciosa, cuidadosa e correta no trânsito não me exime de ser uma monstra. Monstros do trânsito somos nós, que queremos nosso carrinho individual a qualquer preço, não respeitamos o trânsito, não lutamos por um transporte coletivo de qualidade, digno, capaz de atender às necessidades da população.
Monstros do trânsito somos nós, da classe média – mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa –, que preferimos inchar as cidades com nossos coloridos carrinhos, poluindo, impedindo a mobilidade alheia, em nome da nossa pressa, do nosso conforto e do nosso egoísmo. E ainda achamos que os que trabalham no trânsito são os vilões.
Monstros do trânsito somos nós que não lutamos para que haja mais ônibus, mais metrôs, mais trens, mais seja lá o que for que não somente atenda a alguns privilegiados que estudam em escolas particulares e trabalham em gabinetes com ar-condicionado, mas seja capaz de dar condições dignas de locomoção aos que precisam se locomover – e esses são todos os cidadãos.
E seremos cada vez mais monstros enquanto continuarmos neste nosso mundinho egoísta, fechadinho, que faz cara de nojo a quem anda a pé pelas ruas e não vê essas pessoas como cidadãos. Enquanto adorarmos nosso sagrado veículo individual sobre todas as coisas. É duro, mas é vero.
Quanto ao meu recém-adquirido carrinho popular zero quilômetro branquinho veloz e confortável, gosto tanto do bichinho...
É para transportar os pobres que existem esses monstruosos carros: enormes, cheios, acossando-nos nas pistas, impondo-se sobre nós, motoristas indefesos em nossos carrinhos. Há até uma injusta lei de trânsito dando-lhes prioridade sobre veículos individuais.
Por que cargas d’água esses pobres apinham-se em ônibus, furgões, lotações, “vans” ou o que quer que seja, no mesmo horário em que nós, membros da classe média, que constrói o progresso, levando o país nas costas, temos de sair para o trabalho, a escola, a vida?
Essa absurda necessidade que eles têm de se mover impede o andamento do trânsito. Sem esses ônibus e furgões repletos de trabalhadores, com seus motoristas irresponsáveis, imagine a fluidez do trânsito. Seria uma beleza, uma maravilha.
Mais coisas impedem a tranqüilidade no trânsito. Uma delas é essa incompreensível necessidade que estudantes, crianças, adolescentes e jovens têm de exercer sua capacidade de se movimentar! Outra é a inaceitável necessidade que os velhos têm de sair de casa, sabe-se lá para que! E a inconcebível necessidade que os deficientes físicos possuem de se locomover? Sem comentários.
Por conta desses cidadãos, o poder público é obrigado a nos submeter a faixas, semáforos, limites de velocidade e outros fatores que cerceiam nosso direito de correr desenfreadamente pelas vias – temos compromisso, horários, trabalho!
E o que dizer de moto-entregadores e taxistas? Gente insuportável, que atrapalha todo o trânsito. Eles só deviam existir quando temos vontade de comer uma pizza, necessidade urgente de entregar um documento ou pressa de chegar a aeroportos.”
Esse é o pensamento da boa classe mediazinha de merda que sou; xingo o motorista do ônibus, enraiveço-me contra as lotações, rogo pragas a motoqueiros e taxistas, gente que está trabalhando.
Percebo de que ser atenciosa, cuidadosa e correta no trânsito não me exime de ser uma monstra. Monstros do trânsito somos nós, que queremos nosso carrinho individual a qualquer preço, não respeitamos o trânsito, não lutamos por um transporte coletivo de qualidade, digno, capaz de atender às necessidades da população.
Monstros do trânsito somos nós, da classe média – mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa –, que preferimos inchar as cidades com nossos coloridos carrinhos, poluindo, impedindo a mobilidade alheia, em nome da nossa pressa, do nosso conforto e do nosso egoísmo. E ainda achamos que os que trabalham no trânsito são os vilões.
Monstros do trânsito somos nós que não lutamos para que haja mais ônibus, mais metrôs, mais trens, mais seja lá o que for que não somente atenda a alguns privilegiados que estudam em escolas particulares e trabalham em gabinetes com ar-condicionado, mas seja capaz de dar condições dignas de locomoção aos que precisam se locomover – e esses são todos os cidadãos.
E seremos cada vez mais monstros enquanto continuarmos neste nosso mundinho egoísta, fechadinho, que faz cara de nojo a quem anda a pé pelas ruas e não vê essas pessoas como cidadãos. Enquanto adorarmos nosso sagrado veículo individual sobre todas as coisas. É duro, mas é vero.
Quanto ao meu recém-adquirido carrinho popular zero quilômetro branquinho veloz e confortável, gosto tanto do bichinho...
3 comentários:
ai!!! me dá carona? rs.
pergunta indiscreta: o que você tava fazendo em Águas Claras? Ou sua nova morada é lá e eu nem tô sabendo...?
EPTG eu acho que significa Estrada Parque Taguatinga. heheeheheh
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