terça-feira, 29 de junho de 2010

1ª pessoa

Fui àquela festa. Conheci alguém que fez um comentário inédito para mim: “Você fala pronunciando todas as sílabas.” Fiquei muda, não sabia o que dizer. Nunca tinha levado uma cantada lingüística! O cara continuou falando sobre suas observações a respeito da minha fala: entonação, pronúncia de “s”, do “r”, expressões de linguagem regional... Enfim, veio a eterna pergunta: “De onde você é?” Essa, sem dúvida, a mais difícil de responder. Já aprendi que não devo responder que não sou de nenhuma cidade, ninguém entende. As cidades é que são minhas, quando eu as quero para mim. As pessoas reagem com ciúmes quando digo isso. Elas querem as cidades só para elas. Não sou de onde nasci, que, aliás, nunca vi. Nasci de uma mãe andarilhante, que não era de onde veio, nem de onde estava. Nasci num lugar, fui registrada em outro. Nenhum lugar me viu crescer, cresci no caminho. Não vivi em nenhum lugar, os lugares onde estive é que vivem em mim, nas minhas lembranças. Falo as línguas que me são faladas, pronuncio como me é pronunciado.
O cara fez cara de que entendeu, com todas as letras.

7 comentários:

Carpe Diem disse...

Lindo, Val! Identidade do umbigo, do dente de leite, do primeiro beijo, da primeira transa, ... lugares, cidades que nos acompanham dentro da gente. sou da sua 'tribo', as cidades vivem em nós. Belo!! beijos em ti

Lidia disse...

"acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto"

Ana Silva disse...

Agora, imaginem a cara do cara que recebeu a resposta. Deve estar de cara até hoje, pensando no que falar.

Valéria Barros Nunes disse...

é tudo f(r)icção!
não é minha vida, não vi a acara do cara mesmo... mas imagino uma.
é texto q sai da ponta dos dedos quando vejo uma verso no ar e capto uma linha na fala de alguém.
esse texto saiu num tiro na aula de redação do cetremec. Claro q a profa queria um manifesto, ou uma carta aberta, uma resenha ou uma dissertação, sei lá... de mim, só saem crônicas com pelinhos....

Jaana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Milena disse...

Ah... eu também sou assim. Me identifiquei muito com o texto.
Filho de militar é praticamente um cigano.
Só não escrevo e nem falo bonito como a Valéria.

Márcia Hora Acioli disse...

Valérinha... amei o texto sem lugar.
Com cheiro de gente habitando o mundo. Muito lindo!