terça-feira, 17 de maio de 2011

Meias, para que as quero inteiras....

Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo e de meias. Não havia nada que eu pudesse fazer contra os cuidados maternos que recomendavam também um copo de leite morno, já na cama. O gosto do leite substituía o mentolado da pasta de escovar os dentes, contrariando as recomendações odontológicas que só foram surgir muito tempo depois que a tevê tomou nosso jantar. Fora de casa o frio ocupava o espaço que antes era dos corpos de crianças agitadas, recolhidas sempre à mesma hora para o calor dos lares (ou castigava aqueles que não tinham onde se proteger das intempéries – mas esses não eram vistos...). Talvez minha mãe tivesse outro propósito psicológico e pedagogicamente mais adequado para o uso de meias, fato é que até hoje calço meias se quero me sentir segura de que as monstruosidades do mundo não me alcançarão. Enquanto, numa reunião, o chefe se esmera em impropérios para nos fazer crer que somos a corja mais incompetente do mundo, me flagro pensando que, pelo menos, minhas meias são fofinhas e coloridas, e me concentro no desenho delas. Os desenhos e as cores de minhas meias me mantêm longe das calosidades do emprego. Na primeira vez que me permiti ir mais longe do que o sofá na intimidade com um namorado, lá estava eu, de meias, como se isso fosse evitar gravidez, doenças sexualmente transmissíveis ou a simples dor de não ser o que era: prazer. Lembro disso agora, no meio de uma madrugada em que me assola o desejo de fazer um balanço desta vida, já quase cinquentenária. Balanço inútil, uma vez que já não há mais nada a fazer. Ninguém muda o passado. Não tenho mais como pedir sal e limão para temperar os momentos insossos, nem gelo para preencher os vazios que ficaram no meu coração como resultado das noites que passei em vão, estudando e trabalhando para fazer um mundo melhor calçado.

3 comentários:

Lidia disse...

Adorei!

meia
fuga
mea culpa

Ana Silva disse...

Como já disse um amigo: merda, você me fez chorar.

Valéria Barros Nunes disse...

Chorar?! Eita! isso ´´e uma crítica?