terça-feira, 29 de junho de 2010

1ª pessoa

Fui àquela festa. Conheci alguém que fez um comentário inédito para mim: “Você fala pronunciando todas as sílabas.” Fiquei muda, não sabia o que dizer. Nunca tinha levado uma cantada lingüística! O cara continuou falando sobre suas observações a respeito da minha fala: entonação, pronúncia de “s”, do “r”, expressões de linguagem regional... Enfim, veio a eterna pergunta: “De onde você é?” Essa, sem dúvida, a mais difícil de responder. Já aprendi que não devo responder que não sou de nenhuma cidade, ninguém entende. As cidades é que são minhas, quando eu as quero para mim. As pessoas reagem com ciúmes quando digo isso. Elas querem as cidades só para elas. Não sou de onde nasci, que, aliás, nunca vi. Nasci de uma mãe andarilhante, que não era de onde veio, nem de onde estava. Nasci num lugar, fui registrada em outro. Nenhum lugar me viu crescer, cresci no caminho. Não vivi em nenhum lugar, os lugares onde estive é que vivem em mim, nas minhas lembranças. Falo as línguas que me são faladas, pronuncio como me é pronunciado.
O cara fez cara de que entendeu, com todas as letras.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Maudernidades

Tem aqueles dias em que você não quer se abater, né? O cara tava no dormindo no aeroporto havia uns três dias. Mas, tava de boa. Família, bagagem pelo chão, banho na pia do banheiro, lanchonete sem pão de queijo, senha para fila de embarcar. Nada que tirasse alguém realmente do sério, afinal um vulcão pode entrar mesmo em erupção a qualquer momento, isso é normal, ele dizia! Somos modernos, repetia, temos espaço aéreo! Era absolutamente compreensível que, eventualmente, o espaço aéreo tivesse que ser cedido para uma intempérie, explicava o bonachão. A Natureza não entende dessas coisas de voar de avião e chegar na hora marcada. A Natureza é eterna, não tem sábado, domingo... Daí ele se deu conta: DOMINGO!!! Dia da final do campeonato!!! Decisão do Botafogo!! Caraca!!! Corre pro terminal onde o filho se instalou, aos berros tira o filho do game e acha o link pra ver a transmissão, vibra com essa coisa de tecnologia. Esfrega as mãos e, de repente, se lembra: o chapéu! Filho fica. Atravessa o saguão pulando sobre alemães, espanhóis, ingleses, turcos e chineses em fúria. Pô, já não basta a confusão, ainda vem um maluco esbarrando? -Mulher, cadê o chapéu do fogão? - Que fogão? a gente não trouxe a cozinha! - Não me provoca, meu chapéu da sorte! Hoje tem final! - Cara, acho que despachei os trapos na mala grande, só fiquei com o que a gente ir ter coragem de usar em público! - Não sacaneia, você sabe que o botafogo só ganha quando eu visto o chapéu da sorte! - Muito me admira você, Paulinho! Diz que não acredita em Deus, mas acredita num chapéu! -Paulinho, não! Paulão! Jogão! Finalzão! Fogão! De-ci-são! - Mãe, chapéu tem barba quinem deus? O cara olha pra filhinha rosada e bochechuda, brincando no chão de mármore, pensa que ela é lindinha como o papai, mas tinha que ter puxado a inteligência da mãe? De repente a visão! A estrelinha negra na cabeça do ursinho de pelúcia!! AH, isso é que é vida! Chapéu na cabeça, volta ouvindo os xingamentos em todas as línguas e fica na frente do monitor pra comemorar mais um título! A mulher, entre sem graça e afoita, se dá ao trabalho de explicar meio em inglês, meio em espanhol, com toques de francês- italianado, que aquele cara rebolando, arrebitando a pança, chacoalhando os ombros, levantando e abaixando os braços é um nativo de uma tribo sulamericana que está ensinado um rito para o filho, na esperança de fazer mover os ventos. Horas depois, liberados os vôos, a aeromoça pousa sobre a barriga do senhor com sorriso de criança, o chapeú que lhe caíra das mãos enquanto dormia, extenuado, ao lado da família a caminho de uma terra sem viulcões, sem terremotos, sem tsunamis e com o melhor futebol do mundo! Êta, dancinha poderosa!