segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A TORCIDA DOS BAGACEIROS

Fabrício Carpinejar

A mulher odeia ser chamada de "gostosa" na rua, da incontinência verbal da sinaleira, de ser alvo de olhares atrevidos e maliciosos, certo?

Errado. A mulher não irá se envolver com nenhum desses homens, manterá distância, não aceitará sequer a conclusão do convite, mas qualquer chamado sonoro de um estranho a fará recuperar a estima e se sentir bem mais magra do que um pão árabe.

Há homens que estão trabalhando secretamente para os namorados e maridos. Os bagaceiros renovam o sentido erótico adormecido pela bolsa no ombro e pela pressa ao trabalho. Fazem suar as mais incrédulas, borrifam de sensualidade as mais céticas, frígidas e pessimistas. Interrompem o juízo final, anulam o fim do casamento, resolvem dívidas e tranqüilizam a nudez.

Até supõem que têm alguma chance, mas não estão seduzindo, estão uivando. O jorro escandaloso de suas gargantas não motiva o respeito. Inofensivos, tal leão-de-chácara em festa de criança. Não serão lembrados, mais um pássaro a cantar no meio de uma migração e desaparecer na velocidade embaraçosa dos telhados.

Entretanto, o efeito de seus apelos indecentes reconduzirá a mulher a reavivar o espelho e se reconciliar com a lycra.

"Ô gostosa" tem o mesmo resultado de um ácido glicólico.
"Tesuda" penetra na pele como retinol.

Os desaforos de rua são cremes caros e instantâneos. Recuperam cinco anos em questão de dez segundos. O que são as plásticas perto de um elogio safado?

Beleza não é beleza sem antes receber a condecoração do trânsito.

Quando abordadas, as mulheres aceleram o passo e atrasam os ouvidos. Lançam o corpo para frente e a audição para trás, a capturar o chamado lânguido pelas suas curvas. Permanecem avançando por discrição. Fazem de conta que não ouviram. A situação é esta: não podem parar, querem e não podem, seria corresponder à grosseria. Resta reconstituir a soma das letras seguindo adiante.

Os bagaceiros teriam grandes chances de vencer concursos de soletração.

Que bun-da.

Abrem a boca ao vento com a submissão de um consultório odontológico. Gritam sem esconder o rosto e a identidade.

São terroristas do corpo. Camicases que explodem junto com as palavras após cumprir a missão do instinto. Arremessam o rojão erótico aos pés das senhoras e senhoritas, putas e virgens, mal prevendo que perderam a chance de conquista com o estardalhaço.

As vítimas dos assobios e insinuações voltam a casa com irreconhecível orgulho. Não contarão nada do que aconteceu aos seus pares, sempre ciumentos, sempre defensivos, sempre educados. Seus amores não entenderiam as contradições do sexo.

Se compreendessem, agradeceriam a torcida dos motoboys, dos ciclistas, dos guris das passarelas, que empurram o time feminino ao ataque.