quinta-feira, 12 de março de 2009

Por uns cobres a mais

Fumava feito uma chaminé, e os familiares perturbavam-na por conta do hábito. Diziam-lhe que ainda iria morrer por causa do cigarro; era escrava do vício. Não ligava a mínima.

Tinha cinzeiros espalhados pela casa toda. Desses de vidro, que se compram em lojas de quinquilharias. Aos poucos, foram-se todos, quebrados ora numa limpeza, ora num esbarrão, ora por uma visita distraída.

Certo dia, viu-se sem cinzeiros e fez a coisa mais detestável que fazem os fumantes: bateu as cinzas num copinho com água. Enojada, resolveu reabastecer a casa – em cada cômodo, um cinzeiro, pronto.

Foi diretamente a uma loja onde sempre comprava os tais cinzeirinhos vítreos. Não havia, acabaram-se. Toca pra outra. Não temos, disse a vendedora. Está em falta, na terceira. Estranho. Não há cinzeiros nesta cidade?

Decidiu levar uns de cobre; vêm três num saquinho, ainda mais baratos do que os de vidro. Encheu a casa com eles. Sentava-se na sacada do apartamento, diante do mar, e fumava tranquilamente seu cigarrinho.

Alguns dias depois, percebeu que os cinzeiros novos estavam se enegrecendo. Maldita maresia, esqueci-me disso. Foi então que teve a ideia de passar esmalte de unhas nos objetos. Isso vai criar uma película protetora, imaginou. E assim o fez. Logo, todos os recipientes estavam envernizados, secando ao sol. À noite, já estarão bons, calculou.

Fim de jornada, antes de dormir, fumou seu indefectível último cigarro do dia. Apagou-o num dos cinzeirinhos recém-envernizados, mas não de todo. Restou uma brasinha, não percebida, que ficou ali, fumegando, misturando-se ao esmalte e ao zinabre anterior.

Dessa mistura, expeliu-se um gás asfixiante que tomou conta de todo o quarto. Morreu dormindo, sufocada pela fumaça desprendida do cinzeiro. No velório, a irmã lamentava: Não disse que o cigarro ainda a mataria?

sábado, 7 de março de 2009

mania

Esbarrei num sujeito “dazantigas” hoje. Um amigo bizarro que gostava mesmo era de rádio. Quando a Internet ainda era uma idéia, ele achava que só daria certo se a rede transmitisse uma boa rádio, e se fosse via rádio, pois telefone nem chegava a todos os lugares do país. E mais, a Internet era apenas o rádio melhorado, saca um rádio com teclado? Para ele rádio era o veículo de comunicação mais completo. Nossos gravadores National, orgulhosamente portados, por mais que tivessem auto-stop, rewind automático, auto-eject e até pause, não eram nada não fosse pelo rádio. “Tem que tá sintonizado”. Dizia que só via rádio podia-se, por exemplo, efetivamente fazer ensino a distância, o resto era complementação. Inclusive, a escola era complemento do rádio, e não o contrário (rádio como recurso para educação escolar). Assim ele pensava e continuou pensando enquanto os séculos viravam.
O sonho de ter sua própria rádio esbarrou na realidade concreta e se despedaçou em pequenas peças de locução que ele transmitia dentro do próprio carro, seu único veículo ao longo da vida. As transmissões da rádio iniciavam logo cedo, a caminho das escolas das filhas e se estendiam, houvesse ouvintes ou não, durante os curtos trajetos do dia. Aos poucos, suas filhas tiveram programas inteiros para ler o horóscopo ou relatar passeios da escola, as colegas de carona viravam convidadas especiais em programas de entrevistas, e todo mundo entrava na brincadeira. Por fim, a rádio passou a ser transmitida também fora do carro e os “causos” pitorescos se acumulavam, como aquele com o guarda rodoviário que acabou entrevistado ao vivo, em plena blitzen; a gravação da entrevista daquele tio que reaparecera depois de andar sumido por trinta anos e ele só responde puff, nham, ham-ham, mmmmm, ahn! A família se divertia muito mesmo.
Com o tempo, a coisa foi ficando mais profissional, com leitura do prefixo, vinhetas, chamadas da programação, intervalos para ouvir as músicas do cassete player (roadie star, modelo anos 70). Adquirido um microfone caseiro para o “3 em um” da Phillips, já eram até editadas fitas com anúncios, dingles, e seleções musicais! “Sua mãe informa: amanhã será feita des-inse-ti-za-ção TOTAL! Vamos acabar com as baratas! Para seu melhor conforto e saúde! Solicita-se, no entanto, aos proprietários de quartos na casa, que facilitem a entrada dos profissionais recolhendo suas calcinhas do chão!” (segue Michael Jackson: Thriiiiiiiiiiller! ”) “Os famosos Doces da Vovó: hoje, em oferta no Lanche das Cinco” (segue: “Just a Spoon Full o’ Sugar”).
Se não me engano, na nossa última esbarrada a transmissão da rádio já tinha passado a ser contínua, 24 horas no ar. Daí, onde não havia botão de desligar, a pedido do público ouvinte, foi instalado, pelo menos, um botão de controle de volume, acionado por Autocontrole Remoto Ótico: era no olhar das pessoas que ele percebia a hora de baixar o volume, já que não conseguia mais parar de transmitir. Assim, suas locuções tinham virado resmungos e as músicas eram “humminadas” o dia inteiro para os caros ouvintes colegas na empresa de tevê, onde ele sempre foi considerado ótimo técnico, apesar de meio “no ar”.
Acabou que a rádio nunca deu lucro, nem subiu no poste, nem alcançou lugar nos satélites, e não passou do que chamamos de rádio “prosprópriosbotões”. Os poucos de nós que temos antenas para captar essas ondas, quando esbarramos botões nos botões num abraço com esse sujeito, sabendo-nos ao vivo, no ar, transmitimos um alô aos rincões deste planeta mandando um abração pros nossos queridos vivos. Só para terminar, mandamos um beijão pras tias e pros tios. E, manda avisar lá em casa que o pior já passou, estamos bem! As crianças andaram adoentadas, mas era coisa que comeram demais, não é pra preocupar. E, já acabando, tá todo mundo sem férias aqui, este anzim bi zin bi ziiiiiiiiiiiiiiiiin nhoooooooooooooooziiimmmmmmmxxxxxxxxxxxxxxxxxx